segunda-feira, 19 de dezembro de 2011





Leilão de Jardim


Quem me compra um jardim com flores?


Borboletas com muitas cores


lavadeiras e passarinhos


ovos verdes e azuis nos ninhos?




Quem me compra este caracol?


Quem me compra um raio de sol


um lagarto entre o muro e a hera,


uma estátua de primavera?


Quem me compra este formigueiro


e este sapo, que é do jardineiro?


A cigarra e a canção?


O grilinho dentro do chão?


(este é o meu leilão!)




Cecília Meirelles 



terça-feira, 15 de novembro de 2011

Revoada

REVOADA

6 de dezembro de 2015 Quando você não souber o que dizer, fique calado e a sabedoria virá. Hoje, seja paciente e acredite nas palavras que chegam borbulhando à superfície. E saiba que é preciso coragem para não dizer nada. ~ Yehuda Berg P A T C H W O R K *d a s* I D E I A SCorrer pela cidade vazia e deserta
A noite
É a maior face do desejo

Quando verdades
São mais do que navalhas
A lágrima não serve para te consolar.

Há uma espécie de sono
A mais possível sensação de abandono.

Estamos todos assustados...

Abrir a porta
E correr
De braços dados ao desespero
Que pulsa de nossos olhos
E a beleza estagnada
Fica na sutileza lodosa de um adeus.

O que brotaria de teus olhos
Na hora do reencontro?


Anita Coutinho.
Rio de janeiro 14 de Setembro de 1997.



domingo, 30 de outubro de 2011

Bianco




BIANCO 

A tela em branco...
vazio meu começo de tema
minha cama, vazia
forrada de branco






A tela em branco
coberta com um lençol, branco
protegida da poeira e do tempo
que pinta de branco
meus cabelos

A tela em branco
todas as cores contidas na sua neutralidade
você quando me viu ficou pálido, branco
me deixou um bilhete:
um pedaço de papel
em branco
A tela em branco sua quase mensagem foi apagada
mandei pra você palavras brancas
que não diziam nada




A tela em branco
pede para que eu conte que hoje é um dia claro
branco
lenço de acenar de longe quando se está partindo
em pedaços a folha
em branco
do poema que lhe disse enquanto você dormia coberto
com o lençol branco que protegia a minha tela da poeira e do tempo.

A folha em branco
da minha poesia
eu mesma carrego no bolso e na pele
branca
de medo
que alguém me leve
que alguém a leve
mesmo que esteja em branco.
 

Anita Coutinho



quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Filhote de leão

Filhote de Leão



Um filhote de leão
                  levado
pelo acorde do violão
sem cordas de nylon sabor limão
                                       acorda
quem não tem rumo nem direção
Solta os cachorros
      tranca o portão
Tranças de história boba
                   infância e ilusão.

Não me conheces
Não sabes meu nome
Meu signo
Meu verso
Meu avesso
Não te dou acesso
Sequer meu endereço.

Finjo que não conheço
espero um segundo a mais
penso em “nunca mais”

meus correios não tem pombos
penas,
        bicos
           vendavais;

É meio de estação
uma comédia na contra mão
meu desejo é leve
            Filhote de leão.



 
Anita Coutinho

terça-feira, 30 de agosto de 2011

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Passos


PASSOS

Passou por cima da mesa,
deixou um rastro cinza pelo chão.


Não fez nada
apenas acenou de longe sem
abrir os olhos ou a mão.


Não disse nada
nem fechou a porta de entrada.


Passo a passo,
passou por cima da mesa
como se dançasse um tango
como se cantasse um fado.



Passou por mim 
aos cantos
sem dó e sem pressa
com cara de pecado.

Anita Coutinho.


domingo, 21 de agosto de 2011



Conjugação



Eu falo
tu ouves
ele cala.
Eu procuro
tu indagas
ele esconde.

Eu planto
tu adubas
ele colhe.

Eu ajunto
tu conservas
ele rouba.

Eu defendo
tu combates
ele entrega.

Eu canto
tu calas
ele vaia.

Eu escrevo
tu me lês
ele apaga.


Affonso Romano de Sant'Anna

domingo, 7 de agosto de 2011

SORTE

Li a sorte em um biscoito chinês
Porque já não tinha nada pra ler.

Liguei no céu os pontos- estrelas
Na esperança de enxergar mais do que já podia ver...

E tudo o que li e vi
Descrevi do melhor jeito que não era permitido escrever.

Li a sorte nas ( entre) linhas
Da sua pele
Da palma da mão
Da sua carta

E o que vi,
O que agora sei de cor (ação)
Escrevi com metáforas
cada estrofe
que não foi nem é
só imaginação...



Escrevi em meio termo
sem nenhuma espécie de pontuação
toda a sorte que li
    pode ser
o que irá vivermos
tudo exposto alí,
no abismo de suas mãos.




Li a sorte
que brilhava
ansiosa e exibida
pendurada sobre teus olhos
de estrela contida,
alma decolada,
ação proibida
e do que li,
escrevi uma carta
Tua biografia não conhecida...
Cada linha torta
Escrita com letra desenhada
Contando o que li sobre tua vida
A carta,
mandei selada
com um beijo, um segredo e uma lambida
rumo a qualquer sorte de endereço
qualquer rua, bairro ou avenida
enviei a sorte que li na vida
a tudo que é, que está, e que não tem preço.


É o que dita a sorte
Ativa e atrevida:
É sempre a vencedora, nunca a vencida.

(Anita Coutinho)

sábado, 30 de julho de 2011

O OVO

Na Terra deserta
uma última galinha põe o último ovo.

Seu cocoricó não encontra eco...

O Anjo a que estava afeto o cuidado da Terra
Dá de asas e come o ovo.

HUM! o ovo vai sentar-lhe mal...
O OVO!

O anjo, dobrado em dois, aperta em dores o ventre angélico.

De repente,
O anjo cai duro, no chão!

(alguém, invisível, ri baixinho...)



Mário Quintana







Conto de Inverno

     Haviam acordado juntos e agora, conversavam abraçados, ainda deitados, sem o menor esforço para modificar aquela atmosfera. Há muito amanhecera. Dormiram pouco. Estavam preguiçosos, mas não estavam cansados. Uma tranqüilidade os abraçava naquele abraço: não tinham pressa, não estavam ansiosos. Conversavam longamente: olhos presos aos outros olhos numa hipnose compassada; o vasto diálogo dos silêncios do encantamento.
    
     Abraçados, falavam baixo, esboços de palavras nas bocas quase unidas. Ele falava mais. Ela, deslumbrada, dava um símbolo onírico a cada palavra dele. Sua voz a levava, seduzia, inebriava e ela, na lânguida segurança do momento quase adormecera protegida por sua voz e seu abraço.

    Os rostos próximos. Calor próximo. Ele a despertou:
   
     - Você dormiu? Não estava me ouvindo? - perguntou passivo e completou com o suave gesto de aproximar o rosto do dela e com ele, num toque leve, acariciar-lhe a face.
   
     Ela abriu os olhos e sorriu com serenidade:

    - Não dormi. Estava onde sua voz me levou... aqui tudo está bom, confortável, aquecido. Eu aqui, segura, quieta, tranqüila. Está tudo perfeito. Não me falta nada agora. – falou enquanto ele a observava com contemplação e retaliou ao que ela dizia:
   

    - É, agora não falta. – disse ele relembrando que em breve não estariam mais juntos.

     Ela balançou a cabeça em negativa e pousou o dedo indicador sobre os lábios dele enquanto soprava um som baixo num pedido de silêncio. Não queria falar nisso. Não queria lembrar a despedida iminente. Tinha um terrível medo de chorar na frente dele, queria que guardasse dela uma imagem sã e não um olhar derretido por lágrimas.


      Ele, que a olhava fixamente, fechou os olhos ao toque dos dedos em seus lábios. Sabia o que ela temia e padecia da mesma dor afiada que ela. Não falou e, de olhos fechados, se deixou sentir admirado enquanto percebia o toque da mesma mão que lhe pedira silêncio deslizar sobre seu rosto, como se descrevendo o foco do olhar dela sobre ele. Ainda de olhos fechados, beijou-lhe a palma da mão.
    
      Se olhavam com complacência. Sabiam mutuamente que suas buscas haviam terminado. Sabiam agora, depois destes dois dias que passaram juntos, entregues visceralmente um ao outro, que não havia mais o que buscar, não havia mais lacunas a serem preenchidas. Estavam completos. Se sentiam moldados com a mesma pele, mesmo sensório; com sentimento e sensação mútua, mesmo assim não falavam disso. Lhes parecia injusto demais reconhecer tamanha adequação: um ideal ao outro, simultaneamente peça e alinhavo. Injusto reconhecerem que estavam completos ali, para que após se despedirem, no final da tarde, serem tomados pela acidez de suas realidades tão distintas e distantes.


      - Está completo aqui. – disse ele cortando o silêncio dos olhares, e continuou – mas podemos ter isso sempre assim.


      Ela o olhou com curiosidade e dúvida. Pensou nas possíveis vertentes do que ele estava falando, torceu para que fosse uma proposta de união, romantizou. Se sentiu tola e, de sua própria tolice, sorriu. Ele a surpreendeu:
    
     - O que foi? Diga! Riu porque falei que poderíamos ser sempre assim? - o sorriso dela o deixara inseguro. Talvez tivesse dito algo obtuso. Ela o confundiu. Ele precisava saber, e continuou: - Podíamos estar sempre assim...


     Ela esboçara umas palavras mas se calara. Estava tomando cuidado com suas palavras; se sentia tola, não queria tornar tola a situação. Ele percebia seu conflito e a indagava com olhar apreensivo:
    
      - Diga !
    
      - Se eu te responder, irei romantizar tudo... – falou pausadamente, desviando o olhar como se sentisse ameaçando toda atmosfera de tranqüilidade e segurança, mas era o que sentia, era a única resposta que tinha.
    
       - Eu também! – respondeu ele, sorrindo, com alívio a sua preocupação causada pelo sorriso dela.
    
       Ela apenas o olhou interrogativa. Estava surpresa com o que ele havia falado, não esperava reciprocidade. O que ele dizia soava como uma charada, uma charada para uma promessa. Ele continuou:
    
      - Eu também estou romantizando! Quero mais estar assim com você. Não falta nada agora. Sei que à noite irá faltar um pedaço. – falou e se calou ciente de que precisava equilibrar suas palavras. Não podia se arrepender de tê-las dito. Não podia permitir que elas se fizessem como uma promessa semeadora de frustrações futuras.


     - Daqui a pouco eu vou embora, mas vou ficar. – Disse ela com olhar perdido.


     Ele havia entendido perfeitamente o que ela havia dito e completou:
    
     - Daqui a pouco eu vou com você.
     
     Ela não disse nada, apenas o olhava delicadamente. Seu olhar demonstrava o quanto estava encantada, envolvida. Sabia que ele falava a verdade; sentia o mesmo e com olhar já delirante de saudade o observou buscando registrá-lo bem, guardar detalhes... o olhou roubada por um temido pensamento de ser aquela a última vez que se veriam. Tomada pela angústia da saudade que se antecipava, desviou os olhos e o corpo; disfarçou o choro com um sorriso e algum comentário bobo.
    
     Ele não reagiu , ao contrário, se deixou levar pela mudança de assunto, de posição, de tema. Sentou-se na cabeceira da cama enquanto falavam sobre o tempo, a estrada, tamanho de mala e umas futilidades sutis mas de extrema necessidade para distraí-los da intensidade de seus pensamentos e sentimentos.
    
     Ela levantou para abrir a janela, ver como estava o dia e, enquanto dava a volta pela cama, sentiu seu corpo ser observado, milimetricamente delineado pelos olhos atentos dele, que permanecia sentado junto à cabeceira da cama. Essa sensação lhe dava confiança, mais uma vez se sentiu segura: com ela, com ele.
    
    Abriu a janela e se frustrou com o dia cinza que empalidecia a paisagem. Fazia frio, mas ela não sentia, carregava ainda consigo o calor dos últimos dias.
    
     Ele se juntou a ela, a abraçou por trás, apoiando o queixo sobre seu ombro enquanto ela inclinava a cabeça para trás para apoiá-la. Assim, abraçados diante do horizonte nublado, dividiam uns minutos de silêncio.
    
     Logo depois, ele comentou:
    
     - Daqui a pouco, é para aquela direção que vou estar – falou apontando para uma cordilheira coberta com névoa, que parecia inalcançável. E continuou: - e para lá é onde você vai estar. Falou apontando exatamente para o lado oposto ao que mostrava antes.
    
     De certo modo eram vizinhos, viviam sim, lado a lado, um em cada seta da rosa dos ventos.


     Duas cordilheiras vizinhas, paralelas que se cruzavam através deles dois.
    
     Ela estava sendo roubada pela imagem das montanhas... Distantes, como eles dois estariam horas após. Disfarçou. Virou-se para ele talvez querendo surpreender alguma reação, mas não, ele estava contemplativo, olhar vago, impregnado de entrelinhas que ele não falaria.


     Se olharam. Se conheciam, sabiam a intensidade e a qualidade de aperto no peito que cada um estava levando. Disfarçaram. Se beijaram sem a mínima volúpia. Buscavam ternura, queriam se eternizar.


     Arrumaram as malas, se arrumaram, precisavam ser rápidos nestas tarefas. Tentaram ser divertidos. Brincavam, se implicavam. Mascararam a situação para a melhor forma de passarem por ela. Estavam distraídos, se faziam afobados. Saíram do quarto sem olhar para traz, sem comedimentos. Estavam atrapalhados com bagagem e abraço. Riam indiscriminadamente.


     No carro, rumo à rodoviária onde ela iria seguir, falavam sobre os próximos passos: ainda faltava comprar passagem, mas fora de temporada não havia porque se preocuparem. Não ligaram o rádio, talvez porque sabiam que se alguma canção que lhes agradasse tocasse, ela se eternizaria em suas mentes. Seria a música deles sem que tivessem pedido, sem que lhes fosse permitido. Não queriam guardar vestígios dos últimos dias, mas sabiam que seriam eles mesmos autênticos cofres de pistas e marcas de um no outro.


      Estavam dispersos, se faziam desligados. Queriam se mostrar leves. Simulavam bem, mas não enganavam nem a si nem ao outro.
    
     Quando o carro parou no estacionamento da rodoviária, segurando-o pelo braço ela falou:
    
     - Fique aqui! Não vá até lá dentro comigo, não. – disse olhando-o com medo até de si mesma.

      Precisava se livrar do momento da despedida. Sabia que ia chorar.
   
     - De modo algum... – interrompeu ele taxativo, perturbado.
    
     - Por favor, vai ser mais fácil se você não for até o terminal comigo. Mais fácil pra nós dois. – disse ela com olhar esquivo, com voz equilibrada.


     Se olharam desavergonhadamente. Estavam abalados. Se mostravam exageradamente frágeis. Não podiam mais relutar.
    
     Ele concordou. Balançou a cabeça afirmativamente enquanto exibia um sorriso diluído por toda tristeza que não estavam chorando. Tocou de leve as pontas dos dedos sobre os lábios dela, como se contornando-lhe o desenho da boca.
    
     Aproximaram os rostos, juntaram as testas, e mantinham os olhos semicerrados. Não se viam: se percebiam, se sentiam, identificavam. As mãos cobertas pelas próprias mãos, entrelaçadas como estiveram suas pernas horas atrás. Não falaram nada. Dividiram o silêncio quietos, e com o peito inquieto.


     Com um beijo muito sutil nos lábios dele, ela se despediu e saiu do carro, sem olhá-lo mais; sabendo, porém que ele acompanhava todo seu trajeto até que sumisse do seu campo de visão.


     Mais à frente olhou para o estacionamento e viu o carro se afastando, já alcançando a avenida principal. Sentiu frio.

    
    No guichê comprou passagem para o próximo ônibus que sairia em quarenta minutos. Sentia-se insegura. Sentou numa das fileiras de cadeiras postas ali exatamente para acomodar aquele tipo de espera. Deixou a bagagem no chão próximo de seus pés. Sentou quieta e deixou que tanta inquietação que lhe povoava o peito saísse. Se sentiu vazia e chorou porque estava faltando um pedaço. Lembrou de toda a profecia da saudade que havia no quarto horas antes e respondia chorando discretamente a todo silêncio que não podia dividir agora.


     Escondeu o rosto sob as mãos, abaixou a cabeça na direção dos joelhos e chorou da forma que mais a envergonhava: só.

    Um par de tênis vermelhos, pequeninos, pés de criança, estavam parados bem a sua frente. Levantou a cabeça e se surpreendeu com a figura de um garoto, nove ou dez anos, de boné, bermuda e camiseta, uma bola de futebol debaixo do braço, sorridente. Figura apaziguadora. Enxugou as lágrimas com vergonha, diminuída pela largura do sorriso que o menino exibia sem se abalar com seu rosto entristecido.
    
     - Oi! - a cumprimentou sem desmontar sua espontaneidade sorridente.
    
     - Olá! – respondeu com voz destoada pelo desmoronamento do seu choro.
    
     - Tome, um moço que você conhece me pediu pra lhe entregar. – falou lhe dado um papel dobrado.
     
     - Como assim? Que moço? Onde? - perguntou angustiada.


      - Ele pediu pra eu entregar porque não queria que você o visse. Disse que você sabe.


     Já com o papel nas mãos, reconhecendo a letra, ela balançou a cabeça afirmativamente e agradeceu. O menino saiu zombeteiramente dando pequenos chutes na bola que trouxera. Ela olhou atentamente ao redor, na busca fracassada de vê-lo por ali. O lugar não estava cheio, seria fácil visualizá-lo; mas nada viu.

  Se conteve, buscava seu equilíbrio, começou a ler o que vinha no manuscrito:


“Daqui a pouco você vai embora, mas vai ficar.
Você vai embora, mas eu vou com você.
Lembra? Não devia ter esquecido.
Estou levando toda saudade do mundo comigo,
pra poder ir para todo lugar do mundo com você.


p.s.: Não chore assim... você é tão linda sorrindo.“
    
     Dobrou o papel sem saber se ainda estava sendo observada por ele. Guardou-o como única prova que tinha de que não foi apenas um sonho, um surto, alucinação.



     Só não conseguiu atender ao pedido do bilhete, chorava com mansidão. Não controlava. Não sabia como sorrir ali.

     Entrou no ônibus sem olhar ao redor. Não levava nenhuma promessa, nenhuma previsão, nada. Estava vazia. Sentia frio.





Anita Coutinho.