quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Euteamo e suas estréias

Te amo mais uma vez esta noite
talvez nunca tenha cometido  “euteamo”
assim tantas seguidas vezes, mal cabendo no fato
e no parco dos dias.

Não importa, importa é a alegria límpida
de poder deslocar o  “Eu te amo”
de um único definitivo dia
que parece bastá-lo como juramento
e cuja repetição, parece maculá-lo ou duvidá-lo...

Qual nada! 

Pois que o  euteamo é da dinâmica dos dias
É do melhoramento do amor
É do avanço dele
É verbo de consistência
É conjugação de alquimia
É do departamento das coisas eternas
que se repetem variadas e iguais todos os dias
na fartura das rotações e seus relógios de colmeias
no ciclo das noites e na eternidade das estréias:
O sol se aurora e se põe com exuberância comum e com
novidade diária
e aí dizemos em espanto bom:  Que dia lindo!
E é!  Porque só aquele dia lindo
é lindo como aquele.

Nossa sede, por mais primitiva,
é sempre uma
loucura da falta inédita
até o paraíso da água nova
no deserto da nova goela.
Ela, a água,
a transparente obviedade que
habita nosso corpo
e nos exige reposição cujo modo é o
prazer.
Vê:  tudo em nós comemora
o novo milenar de si
todas as horas:
Comer é novidade
Dormir é novidade
Doer é novidade
Sorrir é novidade
Maravilhosa repetitiva verdade que se
expõe em cachos a nosso dispor
variando em sabor e temor e glória
Por isso te amo agora como nunca antes
Porque quando te amei ontem
eu te amava naquele tempo
e sou hoje o gerúndio daquela disposição de verbo
Te amo hoje com você dentro
embora sem você perto
Te amo em viagem
portanto em viragem diferente da que quando
estava perto
Meu certo é alto, forte

Te amo como nunca amei
você longe, meu continente, meu rei
Eu te amo quantas vezes for sentido
e só nesse motivo é que te amarei.

(Da série  “Eternidades Cotidianas”)
Brasília, 01 de dezembro de 1994
 
 
Elisa Lucinda na obra homônima ao texto. 

quarta-feira, 13 de junho de 2012

"Mesmo para os descrentes há uma pergunta duvidosa: e depois da morte?

Mesmo para os descrentes há o instante de desespero: que Deus me ajude.(...)

Venha, Deus, venha. Mesmo que eu não mereça, venha.(...)

Sou inquieta, ciumenta, áspera, desesperançosa. Embora amor dentro de mim eu tenha.

Só que não sei usar amor: as vezes parecem farpas.

Se tanto amor dentro de mim recebi e continuo inquieta e infeliz, é porque preciso que Deus venha. Venha antes que seja tarde demais"


(Clarice Lispector - "Deus" - A Descoberta do Mundo)

sexta-feira, 30 de março de 2012

"De tudo ficaram três coisas:
A certeza de que estamos começando,

A certeza de que é preciso continuar e

A certeza de que podemos ser interrompidos antes de terminar.

Fazer da interrupção um caminho novo,

Fazer da queda um passo de dança,

Do medo uma escola,

Do sonho uma ponte,

Da procura um encontro,

E assim terá valido a pena existir!"


(Fernando Sabino in: Encontro Marcado)